"Se descer vai ser no campo, com dignidade, pois é preferível a despromoção à hipótese do clube acabar"
A viver um dos períodos mais conturbados da sua história, o Lousada prepara-se para dar início, no próximo domingo, ao campeonato 2009/10 da 2.ª Divisão Nacional. Isto, sem praticamente ter efectuado pré-época e depois de ser afastado da Taça de Portugal na primeira eliminatória.
Em entrevista ao nosso jornal, Eugénio Cunha, que regressa à liderança directiva, agora gerida por uma comissão administrativa, fala-nos dos motivos que o levaram a assumir os destinos do clube, numa altura em que muitos apontavam a extinção do emblema rubro-negro, como a melhor solução. O dirigente falou-nos, ainda, da tarefa herculeana em formar, em tempo recorde, um grupo de trabalho com as elevadas condicionantes financeiras e dos projectos que tem para o futuro para contrariar a tendência dos últimos anos, onde a ausência de um orçamento rigoroso tem afundado o clube em dívidas.
TVS - O clube está a viver o momento mais difícil da sua história. O que o levou a assumir a liderança?
EUGÉNIO CUNHA - Não tinha intenção de nos próximos dois anos assumir a liderança do clube, até porque o meu projecto de vida alterou. Perante a situação dramática que o clube estava a viver e que estes 61 anos de história poderiam acabar decidi arranjar uma solução. Neste capítulo foi importante o aliciamento de algumas pessoas que prometeram ajudar, nomeadamente com apoios monetários. Assumi o compromisso e vou tentar fazer o meu melhor, constituindo uma equipa compatível com a realidade do clube.
TVS - Depreende-se que foi a paixão que o fez voltar atrás?
EC - Acho que isso não preciso de descrever. Num período de seis anos que estive como presidente, as pessoas sentiram como vivi intensamente a ADL, por isso nem preciso de dizer que foi o gosto, o prazer, o orgulho e a dedicação que eu tive e tenho pelo clube, que me levaram também a assumir.
TVS - E porquê uma comissão administrativa?
EC - Procurei duas ou três pessoas para a presidência da mesa da assembleia, mas toda a gente está a fugir a assumir essa função. Inclusive fiz um convite em assembleia-geral ao sr. Joaquim Valinhas, que foi recusado. É compreensível que as pessoas se cansem com estas situações. Por isso, optei por uma comissão administrativa, o que não quer dizer que para o ano volte a ser constituída uma direcção, porque foi assim que eu sempre trabalhei e tudo poderá voltar à normalidade.
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"O meu projecto é para três anos"
TVS - Esse cansaço evidenciado por várias individualidades e a dificuldade em se arranjar um líder este ano, poderá ser um indicador de que este é um adiar do problema e que mais tarde ou mais cedo o clube vai ter de encerrar as portas?
EC - Acho que não. E, essa vai ser também uma responsabilidade minha. Vou ter que fazer uma boa gestão, tentar liquidar o mais possível das dívidas que existem e essencialmente não as aumentar. Depois com o clube a zero estou convencido que vamos arranjar uma direcção facilmente, pois o clube vive um momento dramático única e simplesmente devido a essas dívidas.
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"Fazermos um trabalho e aproveitamento importante da formação"
TVS - Mas isso não é exequível a curto-prazo?
EC - O meu projecto passa por três anos. Se Deus quiser no final desta época vou continuar, só se algo de grave me acontecer. Depois vamos tentar alterar os estatutos e partir para um projecto de mais dois anos, para dar estabilidade ao clube e até contratar alguns jogadores que eu pretendo. Principalmente e, de uma vez por todas, fazermos um trabalho e aproveitamento importante da formação. Penso que as pessoas que estão à frente das camadas jovens vão dar resposta positiva nesse sentido.
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"Fazer um orçamento baixíssimo que me permita pagar os meus compromissos"
TVS - Foi necessária uma forte acção de sensibilização junto dos lousadenses para angariar verbas que permitissem arrancar com esta época desportiva. Não teme que ultrapassado o imbróglio directivo e esta fase inicial, as pessoas deixem de continuar a apoiar?
EC - Sabia que numa fase inicial e quando não há uma direcção toda a gente apoia e prometem-se coisas a mais. Mas eu com a experiência que tenho estou preparado para isso e não foi a contar com euforias. Agradeço a disponibilidade de muita gente, casos dos senhores Joaquim Valinhas, Francisco Barbosa e Pedro Matias que estiveram comigo a fazer uns peditórios e obviamente às pessoas que colaboraram, porque se não fossem elas o clube tinha mesmo acabado. Essa experiência diz-me que 50% dos apoios que contava se calhar só vou ter 25, mas também já fiz contas a isso. Por isso, agora é trabalhar, realizar algumas iniciativas para angariação de fundos e fazer um orçamento baixíssimo que me permita pagar os meus compromissos e o mais possível do que está em atraso.
TVS - O que vai ser efectuado ao longo da temporada para contrariar a tendência dos últimos anos, ou seja, evitar que as despesas sejam maiores que as receitas?
EC - Concordo que esse seja o maior problema do Lousada e aquela carolice dos directores injectarem dinheiro está a acabar, porque as pessoas também vivem os seus problemas pessoais e nas empresas, já basta o tempo que perdem. O que eu pretendo é fazer um orçamento super baixo, com um plantel que sei que vou correr riscos. Vamos ter uma equipa com 2 ou 4 jogadores mais experientes e os restantes com idades entre os 19 e 21 anos e a época em que vão ser dadas mais oportunidades aos juniores da ADL. Este será um plantel que me permite chegar ao fim do mês e cumprir. Agora não posso prometer que não vamos descer, mas vamos fazer tudo para que isso não aconteça. Eu com certeza vou dedicar-me ao máximo e se descer vai ser no campo, com dignidade, pois é preferível a descida à hipótese de o clube acabar. Mas, estou convicto que com estes miúdos, que têm valor, e com alguma experiência pelo meio vamos fazer um bom campeonato e para o ano permanecer na 2.ª Divisão.
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"Vamos contabilizar ao cêntimo"
TVS - A consolidação financeira das contas é a principal prioridade do clube?
EC - A número 1. A dedicação vai ser total em termos de tesouraria, onde vamos contabilizar ao cêntimo, isso é fundamental para a ADL.
TVS - Neste último defeso sentiu-se que entre alguns lousadenses existe a ideia de que este é um adiar do problema e que face à sua realidade acabará por ter de encerrar as portas mais tarde ou mais cedo. O que tem a dizer sobre isto?
EC - Só gostava de perguntar a essas pessoas que alimentaram essa ideia se daqui a ¾ anos, mesmo a correr bem, conseguisse chegar aos nacionais esse clube não teria, na altura, mais dívidas do que as que existem agora na ADL. É importante que as pessoas que falaram disso tenham consciência da realidade e que sintam o que é a ADL, porque essas pessoas se calhar não o sentiram. Claro está que se acabasse, era uma alternativa. Mas, para mim é uma solução que não faz sentido e foi isso que me levou a regressar.
TVS - Como foi constituir um plantel com as conhecidas limitações financeiras?
EC - Começamos tarde, não fizemos pré-época e não posso exigir a estes jogadores aquilo que eu queria, a realidade é esta. A equipa fisicamente não vai estar nas melhores condições. Tivemos que optar por um plantel semi-profissional, treinar só ao final do dia, com jogadores com alguma idade, que já optaram por outra profissão, mas continuam a jogar futebol com prazer. Depois há o suplemento dos jogadores jovens que querem aparecer e não têm oportunidade em escalões maiores e nesse caso temos alguns internacionais.
TVS - O subsídio camarário está em risco, caso o clube não apresente comprovativo da Segurança Social regularizada?
EC - Essa é uma situação que nem me passa pela cabeça que isso aconteça, nesse caso seria mesmo dramático. Já estamos a trabalhar nesse sentido e estou convencido que vamos chegar a acordo com as finanças e segurança social.
TVS - Prometeu apostar nas camadas jovens e admitiu que este foi um erro que cometeu no passado. Acha que a Câmara estará mais sensível, nomeadamente aumentar o subsídio se constatar que está a ser feita uma aposta nos jovens da terra?
EC - Temos que provar isso e se calhar daqui a 2 ou 3 anos as coisas são diferentes. Temos que ter sorte e trabalhar para a ter, como é evidente. Quem dá acha que é muito e quem recebe acha sempre que é pouco. Eu fui, talvez, dos presidentes que nos últimos anos recebeu receitas maiores da câmara noutras alturas, mas tenho que mentalizar-me esta fase é mais complicada e é com este valor que temos de trabalhar. É com estas linhas que nos temos de coser e não vale a pena estarmos a lamentar. Temos é de fazer um trabalho com dignidade e transparência. Se calhar não vai agradar a toda a gente, mas estou preparado para isso. O importante é que as pessoas sintam que está a ser feito um trabalho em conformidade com a realidade do clube.
TVS - Todos os impedimentos foram resolvidos, foram possíveis os acordos com Candal, Famalicão, Pisco e a dívida à Federação. No entanto, existem ordenados em atraso aos jogadores da época passada que a qualquer momento podem colocar dificuldades?
EC - Claro que os jogadores já me estão a pressionar e vão continuar a fazê-lo para receberem. Coloco-me na situação deles e compreendo-os, obviamente. Vamos conversar e terá de haver alguma flexibilidade pela parte deles para que eu possa cumprir. Terão de ser prestações suaves, prolongadas por um ano, as quais vou juntar ao orçamento mensal.
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"Havia muito mais facilidade de receitas, eu próprio tinha outras condições para investir no clube"
TVS - Recentemente afirmou que vai ser mais difícil esta época do que aquelas em que lutava para subir de escalão …
EC - Vai ser mais difícil porque comecei muito tarde. Nos outros anos, eram projectos sequenciais que eu orientava de umas épocas para as outras. Ou seja, as dívidas eram controladas e fazia a gestão do plantel totalmente diferente. Escolhia com tempo os jogadores que pretendia. Havia muito mais facilidade de receitas, eu próprio tinha outras condições para investir no clube. Este ano foi tudo ao contrário, começamos tarde e em termos de apoios sabemos que está difícil.
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"Será importante para estes miúdos sentirem-se apoiados"
TVS - Pediu um grande apoio dos adeptos e que estes deverão evitar criticar a equipa. Acha que este poderá ser um factor fundamental para o sucesso da equipa, tendo em conta a inexperiência da maioria dos elementos que a constituem, que se poderão deixar afectar psicologicamente pelo que vem das bancadas?
EC - Sim, porque eu sabia que iria ter aqui jogadores jovens e a equipa não vai corresponder àquilo que os sócios querem, porque nem as outras boas equipas que tive corresponderam. Não é a mim que prejudicam, mas sim aos atletas e a ADL, por isso fiz esse apelo. Será importante para estes miúdos sentirem-se apoiados nos momentos mais difíceis, porque nos bons já eles estão moralizados. Se os adeptos e a direcção os protegerem, eles vão estar em campo mais tranquilos e seguros. Apesar de este plantel ser formado por jogadores pouco experientes é importante salientar que eu acredito neles e não me passa pela cabeça descer de divisão, mas se tiver que acontecer é melhor do que acabar, tal como já referi.
TVS - Concorda que a pressão sobre os árbitros vinda das bancadas poderá também condicionar o desempenho da equipa?
EC - Pela experiência que tive e sabendo como os árbitros fazem para nos prejudicar ou ajudar, por isso muitas vezes me exaltava, talvez até nos momentos menos apropriados. Mas, tinha de demonstrar o meu desagrado. Vamos com outra mentalidade, viver o jogo serenos, tranquilos para não termos multas a pagar, problemas com a arbitragem e mostrarmos um lado mais simpático. Porque estes jovens poderão sentir dificuldades em jogar e sejam influenciados negativamente por alguma pressão extra que de certa forma se transporte para o terreno de jogo. Passa por fazermos um campeonato "silencioso", quanto mais escondido for, melhor.
TVS - Algum apelo especial para finalizar?
EC - Vamos fazer um sorteio de um Moto4, que vai ser feito casa a casa em todas as freguesias do nosso concelho. Praticamente vai ser um peditório, mas para irmos pedir sem dar nada, vamos vender um bilhete pelo preço de cinco euros a sortear pelo número de uma lotaria. Por isso, eu aproveito para fazer um apelo para que todas as famílias nos fiquem com um bilhete. Dentro das possibilidades de cada um que nos ajudem, pois é por uma boa causa, é para a Associação Desportiva de Lousada.
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